Acender as luzes, criar realidades

peterwebb

foto: Marina Rago

Quais são os recursos naturais que mantem o jardim do Goethe vivo? O que está em desequilíbrio? Como planejamos o acesso à água? Esta seria a forma mais cartesiana de descrever a atividade “Leitura da Paisagem”, que inaugurou a programação do Zona da Mata no Goethe-Institut São Paulo. Mas quando a pessoa que vai conduzir este diagnóstico é o permacultor Peter Webb, carece de um parágrafo mais generoso.

Nome forte entre coletivos de agricultura urbana e permacultores, o australiano radicado no Brasil sempre conduz vivências filosóficas, em que prioriza acender nas pessoas as luzinhas da autobservação e da percepção para a relação mútua entre ser humano e território. Segundo Peter, interagir com um espaço não é só entrar nele, mas deixá-lo entrar também, pois a sensação de pertencimento e de mudança de realidade são mais saudáveis do que o fazer em si. “Desenvolvo este trabalho a muitos anos e vejo pessoas querendo aprender fórmulas que estão na internet. O grande barato é usar a criatividade e o repertório de cada um como matéria-prima. São elas que fazem você crescer e mudar o seu lugar no mundo”, reflete.

Zona da Mata é transformação do espaço, mão na massa. Cisternas que alimentam lagos e hortas, composteiras, ateliê para práticas artísticas, cozinha da roça e comida com afeto. Sensibilização, reencantamento, troca de saberes, conexões entre pessoas de diferentes esquinas e comunidades. O resultado da intervenção no quintal não precisa ser imediato, muito pelo contrário. O processo é gradual, lento, coletivo, com janelas para derivas. Acolhe gente que participa de toda a programação, gente que chega, joga uma semente e não volta mais, gente que vem colher e replanta em outra praça.

No contexto atual do país, a cada dia damos um passo em direção ao amadurecimento de uma cultura política, mas ainda somos cerebrais demais. “A sociedade está meio órfã de governo neste momento e o país não vai funcionar, não podemos esperar nada deles. É uma hora muito preciosa para descobrir e treinar nossa força”, incentiva Peter, “Vamos criar novas realidades, ativar os mutirões, chamar a galera, ver o que precisa. Catar pneu na rua, madeira na caçamba, pedir ferramentas emprestadas. Tem um monte de gente desempregada nas favelas que tem braço e criatividade, vamos ativar isso lá também, para as pessoas se encontrarem e trabalharem juntas.”

Durante a aula, caminhamos pelo quintal observando a variedade e a função dos elementos daquele sistema, como a cama de heras, planta trepadeira que se ingerida em sua forma natural é tóxica. Com uma poda básica, ela virou cobertura para alguns canteiros criados naquele dia, reproduzindo o solo sempre coberto de folhas característico da Mata Atlântica. Também exercitamos a percepção sobre a capacidade competitiva ou cooperativa entre espécies na batalha por luz, água e nutrientes através de suas folhas, raízes e troncos. “A Natureza é feita de parcerias e não tem a menor pressa, está sendo o tempo todo”, ensinou. Em dez minutos de escavação na terra, resgatamos algumas pedras, cacos e pedaços de telha cheios de memória, que foram colocados como contenção e linha guia para futuros canteiros. “Há um paralelo entre as coisas que são jogadas fora e as pessoas menosprezadas pela sociedade. Ao incluirmos, valorizamos o que são e devolvemos sua autoestima”, refletiu.

Um abacateiro cujo tronco estava ferido foi o ponto mais energético da deriva daquele dia, juntando muitas pessoas à sua volta. Peter mostrou como fazer uma cirurgia nele, cavando e retirando suas partes podres e aplicando um emplastro cicatrizante preparado ali na hora com esterco, cinzas e argila, para evitar futuras infecções. “Os espaços com natureza tem energias ocultas, cabe a nós descobrir onde estão e participar delas. O abacateiro puxou as pessoas porque estava precisando daquilo”, diz Peter, “Aquela gente ao redor da árvore conseguiu se expressar fisicamente naquele dia. Existe um mapeamento energético que não é obvio de início. No espaço público você não tem essa energia que está saindo da terra, é preciso cria-la”. Bora?