ilustração: Van Bo Le-Mentzel
Segundo especialistas, o desmatamento e a ocupação irregular de áreas de manancial – rios, lagos e lençóis freáticos – contribuíram para agravar a seca histórica enfrentada por São Paulo há dois anos atrás, quando foi registrada apenas 21,5% de vegetação nativa na bacia hidrográfica e no conjunto de seis represas que formam o Sistema Cantareira. Neste solo, carente de árvores para armazenar água nas folhas e depois evaporá-las, e pobre em matéria orgânica, que retém a umidade, a chuva é uma inimiga que empurra a terra ladeira abaixo, assoreando rios e nascentes.
Foi nesse contexto que realizamos, em dezembro de 2014, o primeiro Boraplantar. Com foco na educação ambiental, nosso desejo principal foi chamar a atenção das pessoas para a relação entre árvores e proteção das águas, pois é urgente que a sociedade se enxergue como guardiã dos recursos naturais. Desde então, já realizamos sete mutirões e plantamos cerca de 1.200 árvores na região de Parelheiros, zona rural no extremo sul de São Paulo. Área das mais importantes para a cidade, abriga o Rio Capivari-Monos, um dos principais mananciais que abastecem a Represa do Guarapiranga. No contexto urbano, sempre foi um desejo poder colaborar de alguma forma com a recuperação de nascentes, como fazem as iniciativas Existe Água em SP, Rios e Ruas e Hezbolago, que mapeiam e problematizam a questão. Essa realidade de metrópole fluvial – são 3 mil km de rios submersos – ainda pulsa no imaginário de quem trabalha com regeneração e proteção ambiental e vai muito de encontro com o Boraplantar e o DNA do Zona da Mata, que como laboratório ambiental vislumbra a ancestralidade da Mata Atlântica em floresta e água e seu impacto na cultura e no imaginário da população.
Nossa aproximação com o tema foi um passo tímido, mas muito profundo e positivo para nós e se deu em outubro deste ano, quando realizamos um mutirão de plantio de vasos de temperos e ervas medicinais suspensos nos muros de algumas casas na beira do Córrego Cangueiras, na Vila Flávia (Zona Leste). O encontro foi uma das atividades de expansão do Zona da Mata para além dos muros do Goethe-Institut e em parceria com o coletivo São Mateus em Movimento e o Grupo Opni. O córrego escolhido é um afluente do grandioso e importante Rio Aricanduva, e que naquele momento estava sendo reformado pela prefeitura para a instalação de um Parque Linear, obra bastante criticada pelos moradores por só ter começado na véspera das eleições e colocar a comunidade em risco de queda, como de fato aconteceu mais de uma vez.
Na primeira visita técnica, intuímos que o entorno do córrego ainda não estava preparado para o plantio de árvores, não só pelo pouco tempo que tínhamos para regenerar o solo – dividido em partes cimentadas ou muito erodidas – mas também pela relação dos adolescentes da área com o verde. “Eles têm o hábito de botar fogo nas plantas. Eu mesma deixo tudo dentro de casa”, contou Sandra, uma das moradoras vizinhas ao córrego. Também encontramos Dona Aparecida, que nos atraiu para uma prosa graças aos belos vasos de orquídeas suspensos na varanda. Outra grande força foi Elisângela, uma piauiense que mora na beira do córrego e topou ceder o muro de sua casa para uma horta vertical em vasinhos de garrafa PET, a solução mais simples que encontramos para começar nosso diálogo sobre a questão do córrego e sua relação com o plantio. Para nossa sorte, no dia da ação tivemos uma roda de conversa muito bonita e participativa bem na frente da casa dela, com os meninos do São Mateus em Movimento e do Coletivo Coletores, crianças, Dona Aparecida e a família de Elisângela. Todxs contaram um pouco sobre sua relação com as plantas e a agricultura, seja na cidade ou num passado de roça por outros lugares do Brasil, movimentando uma energia de grupo com vocação para proteção dos novos vasinhos que chegaram na comunidade.
Depois de duas horas, mesmo com o sol a pino, as crianças continuavam chegando para sentir o aroma do manjericão, do coentro, do alecrim, da arruda e da hortelã, mexer na terra e levar sua planta para a casa. Por fim, colamos na parede alguns lambe-lambes com informações sobre as plantinhas e outros feitos na hora pelas crianças. A empatia que as plantas, as sementes, as ervas medicinais e cultivar seu próprio alimento cria entre as pessoas. É impressionante e supera qualquer barreira de idade, gênero e crença. Esperamos que esta seja a primeira de muitas ações na beira do córrego e que possamos, de alguma forma, colaborar para o ressurgimento dos rios invisíveis da babilônia.
Carol Ramos